Quem guarda
esta fronteira?

Abandonados pelo Estado e pressionados pela invasão de madeireiros, cada vez mais índios se arriscam para defender a floresta 
por Piero Locatelli | 28/05/15
As terras indígenas guardam um quarto de tudo o que sobrou da floresta amazônica. Dentro delas, o desmatamento é três vezes menor do que em unidades de conservação, segundo dados de 2013 do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do Ibama. Mas os índios estão pagando um preço alto pela preservação: suas terras são invadidas por madeireiros, garimpeiros e até narcotraficantes. Depois de ouvir da Funai e do Ibama que é “impossível” fiscalizar todas as áreas demarcadas, alguns povos tomaram uma atitude extrema: a defesa do seu território com as próprias mãos.

É o caso dos Ka’apor, no Maranhão, dos Borari e Arapium, no Pará, e dos Suruí, em Rondônia. Eles decidiram colocar a vida em risco para defender a floresta, da qual depende sua sobrevivência. E já sentem os efeitos dessa ação. Em abril, um líder Ka’apor foi assassinado após o grupo expulsar e receber ameaças de madeireiros. Começando com esse caso, a Repórter Brasil abre uma série de reportagens sobre a saga dos indígenas que colocam a vida em risco para proteger a floresta.
Tomba árvore, tomba índio
Os Ka’apor arriscam a vida para expulsar madeireiros de sua terra. 
Em meio ao conflito, líder indígena é assassinado
Foto: Ruy Sposati
Façam vocês mesmos! 

Os órgãos de controle reconhecem que os índios ajudam a manter a floresta de pé. "Eles protegem estas áreas ”, diz o diretor de proteção ambiental do Ibama, Luciano de Meneses Evaristo. “Por que eu tenho hoje um milhão de metros quadrados [preservados em Terras Indígenas]? Por que o índio está lá. Se ele não estivesse lá, já tinha ido”. A partir dessa percepção, deriva uma perigosa conclusão: a de que os índios podem assumir essa proteção. Evaristo admite que o trabalho do Ibama seria impossível sem as “valiosas” informações indígenas. Ele defende que os índios sejam remunerados para proteger suas terras. 

A Funai também reconhece sua incapacidade de proteger as áreas, mas não recomenda que os indígenas confrontem os invasores. A fundação tem reduzido as operações de “fiscalização e prevenção” em terra indígenas. De 227 em 2011 o número de ações caiu para 134 em 2013. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão atribuiu a diminuição a “restrições orçamentárias.”

A omissão do Estado coloca os indígenas que defendem sua terra em uma situação perigosa. Além do enfrentamento direto, outros deles são ameaçados pelos madeireiros. “É uma ação legítima, mas aumenta a percepção dos madeireiros de que é preciso atacar os índios para poder usar as terras”, diz Cleber César Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). 
O BNDES descobriu os índios?
Procurado pelos Ashaninka, pela primeira vez banco
dá apoio direto para indígenas protegerem seu território
Foto: Pedro França/Ministério da Cultura
Caminho contrário 

As ameaças de madeireiros fizeram outros povos desistirem de protegerem suas terras sozinhos. “A gente parou de fazer conflitos porque a ameaça era muito grande, não íamos colocar em risco a vida da nossa equipe, do nosso pessoal” diz Almir Suruí, liderança dos Suruí. Até 2012, eles faziam a segurança por conta própria da Terra Indígena Sete de Setembro, na divisa do Mato Grosso e Rondônia. Almir recebeu tantas ameaças, na época, que teve de andar escoltado pela Força Nacional. 

Hoje, agentes indígenas Suruí se limitam a enviar a localização dos madeireiros e outras informações aos órgãos públicos, o que não dá o mesmo resultado. Em 2014, a Sete de Setembro foi a segunda terra mais desmatada do país, segundo dados do Imazon.  Mesmo assim, Almir diz que não cogita voltar a confrontar os invasores. “Não temos como arriscar só a nossa vida se a floresta é bem comum de todos. Quem deveria fazer isso são eles [o Estado]”, diz Almir. 
No mapa acima (o mesmo do abre desta matéria) é possível ver como a área dos Suruí está cercada por devastação. A fronteira da terra indígena é quase a mesma da floresta remanescente.
Quem pode dizer que eles não são índios?
Ao denunciar desmatamento ilegal em terra indígena,
os Borari e Arapiuns são acusados de serem “falsos índios”
Foto: Ana Aranha
Além da repressão: investigação e reforma agrária 

A incapacidade de a União repreender os madeireiros mostra a necessidade de outras soluções para este problema. Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, diz que é necessário uma investigação maior da origem do dinheiro. Segundo ele, é preciso fazer processos que envolvam crimes como lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, com penas mais severas que os crimes ambientais. A alternativa para a população próxima aos indígenas, muitas vezes hostis a eles, passa pela reforma agrária.  “Em alguns lugares, [grandes madeireiros] tentam dar um verniz social a essas histórias. Regimentam pessoas pobres, porque aí é mais difícil tirar a população pobre de lá. Isso tudo é maquinado, não é por acaso.” 

Para conhecer a realidade dos povos indígenas que assumiram a defesa da floresta e saber o que tem sido feito para solucionar este problema, acompanhe a série de reportagens. Na primeira delas, contamos a história dos Ka’apor, protetores do pouco que sobrou da floresta amazônica no Maranhão. Nas próximas semanas, vamos contar a história de resistência dos Ashaninka, Arapium e Borari.